Trabalhadores e trabalhadoras em aplicativo de diferentes Estados do Brasil estiveram reunidos hoje, 22 de junho, em audiência pública na Câmara dos Deputados, em Brasília, para expor a precarização de suas condições de trabalho e reivindicar a elaboração de políticas públicas que garantam direitos à categoria. Entre as principais reivindicações dos trabalhadores estão a regulamentação da situação trabalhista; o julgamento das situações de conflito entre trabalhadores e plataformas pela justiça do trabalho; a cobertura de acidentes de trabalho, que hoje são enquadrados como acidentes de trânsito, por parte das plataformas; a criação de espaços de descanso e banheiro com pontos para carregamento dos celulares, especialmente aos cicloentregadores; a criação de políticas capazes de garantir segurança para coibir e prevenir riscos de roubos, furtos e assassinatos dos trabalhadores e trabalhadores, entre outras.
A audiência reuniu representantes de sindicatos, associações e cooperativas de trabalhadores e trabalhadoras plataformizados, pesquisadores e pesquisadoras, representantes do governo e do Ministério Público do Trabalho. Também estiveram presentes os deputados federais Tarcísio Motta (PSOL/RJ) e Fernanda Melchionna (PSOL/RS).
“Nós vamos apresentar um relatório dessa audiência pública aos demais deputados que participam da Comissão de Desenvolvimento Urbano, bem como ao Grupo de Trabalho do governo federal constituído para regulamentar o trabalho por meio de plataformas digitais”, afirmou a deputada federal proponente da audiência pública Denise Pessôa. “A CLT é o melhor que a gente construiu até aqui e não podemos retroceder. Não são formatos diferentes que vão fazer com que os trabalhadores sejam explorados. A gente tem direitos previstos em lei e precisa garantir que esses direitos sejam cumpridos”, completa Denise.
Motoristas e entregadores questionaram pesquisa do Cebrap apresentada pelo diretor executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), André Porto, que aponta uma dinâmica de engajamentos e ganhos segundo a qual os motoristas trabalham em média 4,2 dias por semana, cerca de 22 a 31 horas por semana, e recebem um ganho mensal para jornada estimada de 40 horas semanais que varia entre R$2.925 e R$4.756, números que caem para 3,2 dias por semana, 13 a 17 horas semanais e valores entre R$1.980 e R$3.039 por mês no caso dos entregadores. A pesquisa foi alvo de risadas e considerada “fake” por motoristas presentes na audiência, como o presidente do Sindicato de Motoristas e Entregadores por Aplicativos do Rio de Janeiro (Sindimobi), Luiz Corrêa, que também lembrou a grave situação enfrentada por motoristas no dia a dia na cidade do Rio.
“Dizer que os motoristas ganham quase 5 mil líquidos (por) mês trabalhando quase 40 horas por dia. Essa pesquisa é fake. É um fake news que essas empresas estão fazendo”, comenta Luiz. “Vamos ter a seriedade de que estamos tratando de vidas. Eu falo com muita tristeza esse número de 500 motoristas mortos, a maioria fica no meu Estado. Você vê pessoas trabalhando 14, 16 horas por dia. Inúmeros motoristas, entregadores entrando em contato pedindo cesta básica. Não conseguem fazer manutenção (dos veículos) porque o lucro fica com as empresas. Onde está a parceria disso? Não existe parceria.”, desabafa o presidente do Sindimobi do Rio de Janeiro.
A motorista e presidenta do Sindicato dos Motoristas de Transporte Privado Individual de Passageiros por Aplicativo do RS (Simptrapli), Carina Trindade, apresentou uma captura de tela dos ganhos no aplicativo de um motorista presente que contradiz os dados da pesquisa apresentada pela Amobitec.
“Isso aqui é um print do valor bruto, sem tirar aí manutenção, seguro, rastreador, IPVA, esse número aí vai pra menos da metade do valor só nas despesas que o motorista tem”, comenta Carina, que também considerou os dados não condizentes à realidade vivenciada pelos trabalhadores e trabalhadoras de aplicativo.
O entregador Saulo Benício, da Aliança Nacional dos Entregadores de Aplicativos (Anea), reforça a importância de as plataformas garantirem a saúde dos trabalhadores. “Quando sofremos acidente, somos enquadrados em acidente de trânsito e não acidente de trabalho. Saiu uma pesquisa de que o número de assassinatos reduziu no Brasil todo, menos no Rio de Janeiro. Já cansei de entrar em comunidades e ter um cano de fuzil apontado pra mim e falar que eu tô fazendo entrega. (Além do) próprio racismo, agressões e xingamentos que a gente sofre. Isso é autonomia? A gente tem liberdade? Somos patrões de si?”, aponta e questiona Saulo.
A Coordenadora de Direitos Digitais do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Estela Aranha, relembra que somente a baixa remuneração não representa a precariedade vivida pelos trabalhadores e trabalhadoras. “ A gente está falando de ser cada vez mais informal a forma do trabalho. Os trabalhadores não tem uma prescrição prévia do que é o trabalho deles, saem de casa sem saber exatamente para onde vão, quanto tempo vão trabalhar, quanto vão ganhar naquele dia. Eles arcam com os riscos do seu trabalho, com os custos dos seus trabalhos. Tem regras que estão em mutação o tempo todo, eles não sabem como essas regras são mudadas, eles não tem interferência sobre essa mudança de regras.”, comenta. Estela também reforça a necessidade de as plataformas informarem os trabalhadores quais são os sistemas de monitoramento utilizados para avaliar o desempenho de trabalho, bem como da criação de um sistema de proteção social, independente do vínculo empregatício, que garanta sustentabilidade às famílias.
“A gente não tem informações precisas ao devido processo legal, de como se recorrer a um desligamento, a uma penalidade. As regras de penalidade tem de estar claras. Além da necessidade de supervisão dos sistemas automatizados, de revisão humana das decisões automatizadas que tem impactos semelhantes a impactos jurídicos que seriam do mundo do trabalho como rescisões contratuais, suspensão de contas, entre outras. Há uma assimetria de poder muito grande (entre plataformas e trabalhadores), então há uma necessidade de haver órgãos de fiscalização em relação a isso”, completa a representante do governo federal presente, Estela Aranha.
O diretor da Associação de Cicloentregadores do Rio Grande do Sul (ACERGS), Eduardo Salim, relembra as condições desgastantes dos cicloentregadores que utilizam seus próprios corpos para movimentar seus veículos de transporte. “Ficamos muito mais expostos aos riscos do que outros trabalhadores, pedalar horas seguidas desgasta. Ficamos expostos aos acidentes de trânsito, corremos risco de sermos assaltados em regiões perigosas. Muitos colegas que se acidentaram arcaram com os custos sozinhos. As plataformas só oferecem respostas automáticas, não conseguimos entrar em contato com os representantes das empresas. É fundamental que existam canais de comunicação diretos com as plataformas”, desabafa e reivindica Eduardo.
O juiz Marco Aurélio Treviso, da Associação Nacional dos Juízes do Trabalho (ANAMATRA), defendeu que quem deve julgar quaisquer conflitos existentes entre trabalhadores em aplicativos e plataformas é a justiça do trabalho, e não a justiça comum. “Nós entendemos que a Justiça do Trabalho é o órgão do poder judiciário mais apto para definir e dirigir qualquer uma das controvérsias relacionadas a essa discussão. Não se trata apenas de reconhecer ou não a relação de emprego, porque sabemos que relação de emprego e relação de trabalho são institutos completamente distintos, e a Constituição consagra à Justiça do Trabalho a competência para apreciar tudo que diz respeito ao mundo do trabalho”, conclui Marco.
Saiba o que foi dito durante a audiência
Tadeu da Cunha, Procurador do Trabalho e Coordenador Nacional da CONAFRET, apresentou um estudo apontando que entre 2012 e 2019 o número de trabalhadores em plataforma digital cresceu de 2,7 milhões de pessoas 4,2 milhões. Segundo o estudo a remuneração média é 86,5% do que recebe um trabalhador do mesmo segmento, mas com carteira assinada e sem garantias. Além disso, o estudo aponta o baixo índice de recolhimento previdenciário por parte desses trabalhadores de app.
André Porto, Diretor Executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, apresentou o modelo de negócio das plataformas de transporte individual e de entregas. Ele apresentou ainda, um estudo apontando que 37% dos motoristas utilizam o app para complementar renda e 64% quer continuar trabalhando com apps. Já entre os entregadores, 48% dos motoristas utilizam o app para complementar renda e 78% quer continuar trabalhando com apps.
Márcio Guimarães, Presidente da Liga By Comobi, Cooperativa de Mobilidade Urbana do RS, destacou que seus colegas motoristas de aplicativos trabalham 14 horas em média por dia e que a categoria não quer mais ser explorada pelas grandes plataformas e que tem muito respeito pela comunidade ao não trabalhar com as dinâmicas abusivas.
Para Ludmila Costhek Abílio, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho é espantoso ter que discurtir a regulação desse trabalho. Segundo ela é quase impossível pensar em intermediação ou trabalho autônomo quando os trabahadores não podem definir o valor de seu trabalho e quem são seus clientes. Segundo a pesquisadora, eles estão subordinadas às plataformas.
Durante sua fala, Leandro da Cruz, presidente do Sindicato dos Trabalhadores com Aplicativos de Transporte de SP e Carina Trindade, presidente do Sindicato dos Motoristas de Transporte Privado Individual de Passageiros por App do RS questionaram os dados apresentados pela Amobitec durante a audiência.
Luiz Corrêa, Presidente do Sindicato de Mororistas e Entregadores por Aplicativos do Rio de Janeiro (Sindimobi) classificou que a pesquisa apontando ganhos líquidos de motoristas de quase R$ 5 mil mês por 40 horas trabalhadas é um fake news. “Os motoristas tem desconto de 60% em seus ganhos. Não podemos tolerar e aceitar mais isso”.
Renato Bignami, Diretor Adjunto do Sindicato Nacional dos auditores fiscais do trabalho, destacou o aumento da frota de motos impulsiodado pelo surgimento de app de transporte e entrega, o que aumentou a taxa de acidentes. Segundo ele, estudos da UFMG apontam um aumento de 53% na taxa de mortalidade de motociclistas no país no período de 29 anos pesquisados. Segundo o governo, de março de 2020 a julho de 2021, o SUS registrou 328 mil internações de pessoas vítimas de acidente de trânsito, sendo que 54% tinham ligação com moto, o que resultou na morte de 11 mil pessoas em todo o país. As vítimas são em sua maioria jovens, negros e perfil socieconomico baixo. Em 2020 gasto público com acidentes de motociclistas foi de R$ 171 milhões.
Eduardo Salim, Diretor Associação de Ciclo-entregadores do RS destacou as dificuldades dos trabalhadores, já que enfrentam acidentes, falta de segurança e precisam de sua própria força física para realizar as entregas. Ele tabém reclamou do atendimento dos app e falta de pontos de acessos para descansar ou carregar o celular.
Ralf Alexandre, representante da Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativos, relatou que muitos trabalhadores rejetam os direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo da história e acreditam que podem vivem do trabalho de app. Ele também comparou os ganhos de entregadores por aplicativos e os que estão em regime CLT.
Estela Aranha, Coordenadora de Direitos Digitais do Ministério da Justiça e Segurança Pública, lembrou de alguns assuntos que avalia como importantes na discussão da pauta. Segundo ela é preciso trabalhar a gestão algorítmica com a transparência de como a plataforma funciona, além do monitoramento automático de trabalho e saber como é o sistema de tomada de decisão. Segundo ela, as regras de penalidades e ganhos precisam estar mais claras.
Saulo Benício, entregador de app, reforçou que a saúde e a segurança do trabalhador são importantes. “Quando sofremos acidentes ele são classificados como de trânsito e não de trabalho”. Ele ainda reclamou da falta equipamento, não remuneração de algumas atividades e do racismo e xingamentos sofridos.
“Entendemos que a Justiça do Trabalho é o órgão do Poder Judiciário mais apto para definir e dirimir qualquer uma das controversas relacionadas a essa discussão. Não se trata apenas de reconhecer uma relação de emprego porque sabemos que relação de emprego em relação de trabalho são distintos e a Constituição consagra a Justiça do Trabalho a competência para apreciar tudo que diz respeito ao trabalho”. Marco Treviso, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho
Edgar Francisco da Silva, presidente da AMABR, reclamou que os app não disponibilizam nenhum tipo de treinamento para o estregadores. Ele também pediu incentivo do governo para que os trabalhadores possam estudar e comprar motos novas para exercer a profissão.
Zilmar Gomes, presidente do Sindicato dos Motoristas por Aplicativo da Bahia, também questionou os dados apresentados pela Amobitec durante a audiência.
Viviane Vidigal, pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas relatou que a regulação do controle digital deve ser foco estratégico das pautas ligadas ao trabalho em app. “Precisamos avançar na regulação da coleta, processamento, guarda e utilização dos dados de quem trabalha pq esses dados são utilizados de forma obscura e as regras não são informadas e acordadas com os trabalhadores”.
Fausto Augusto Junior, Diretor Técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos classificou como de extrema necessidade se fazer um debate muito sério sobre a questão do trabalho sob plataforma, uma vez que ele não atinge só diretamente trabalhos entrega e os trabalhadores aí de transporte passageiro. “É um setor que avança e avança efetivamente desregulando o conjunto de atividades. Temos aplicativo no sistemas bancários, de saúde, educação ou seja é um conjunto de serviços vem sendo des regulado por conta das empresas de plataforma”.
Rafael Grohmann, coordenador do DIGILABOUR, defendeu a criação de uma política nacional de cooperativismo de plataforma.
Daniel Guth, Diretor Executivo da Aliança Bike, disse que o entregador se dedica ao app não só na entrega, mas durante o período em que aguarda ser chamado. Para ele o período de espera e entrega deve ser olhado como tempo trabalhado.
Jr. Freitas, um dos fundadores da Aliança Nacional dos Entregadores de App: “Me incomoda ver os trabalhadores terem q pisar em ovos para agradar os aplicativos. Temos colegas que perderam a vida e temos que agradar os aplicativos, ainda?”
Aline Os, Gestora do coletivo de ciclologística Señoritas Courier em SP, disse que é preciso pensar na condição das mulheres enquanto fazem as entregas. Al[em disso é necessário que se pense no cuidado com o femininino, o corpo e famíla dessas mulheres.
Paulo Xavier, presidente da Fanma, relatou os valores das corridas e os gastos dos motoristas com combustível e manutenção. “Engrosso o pleito de uma tarifa mínima digna para o motorista”
Severino Alves, Coordenador Nacional do Movimento dos trabalhadores sem direito.
Rodrigo Lopes, da Fenamoto, destacou que apenas 23,5% dos trabalhadores do app pagam Mei e que segundo o governo, reduziu o número de mortes envolvendo motociclistas, mas aumentou o número de traumas em 55%. Segundo ele o índice de mortes envolvendo jovens negro cresceu no último período.
Nícolas Souza Santos, Dirigente da Associação dos Motoboys, Motogirls e Entregadores de Juiz de Fora, também questionou a pesquisa apresentada pela Amobitec durante a audiência.
Valter Ferreira, do Sindimoto RS, cobrou que os aplicativos cumpram as leis brasileiras.